Tenho um tumor cerebral. E agora? O que fazer?

Você estava sentindo uma dor de cabeça estranha há alguns meses e decidiu ir a uma médico que solicitou uma tomografia ou uma ressonância de crânio. Realizou o exame e retornou ao médico que, ao ler o laudo, o encaminhou a um neurocirurgião. Ao se consultar com o especialista recebeu a seguinte notícia: Você está com um tumor cerebral.

Então você retorna para sua casa, processa a notícia recebida e pensa: E agora? O que vou fazer?


Descobrir que você tem um tumor cerebral muda sua vida. É comum sentir muitas emoções ao mesmo tempo quando você começa a tomar ciência da notícia e pensar sobre o que deve significar para você e para as pessoas que ama.

Para ajudá-lo a entender o diagnóstico e a primeira fase do tratamento, a Sociedade de Neuro-oncologia da América Latina (SNOLA), em parceria com a Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN), adaptaram um texto da Associação Americana de Tumores Cerebrais (ABTA), que criou um guia para capacitar você com informação e recursos para tomar decisões desde o primeiro dia.

Abaixo transcrevo, com pontuais adaptações, o texto publicado no site da SBN com o título: E agora? Primeiros passos depois de receber o diagnóstico de um glioma.

Nós entendemos que o processo de assimilação do diagnóstico pode ser assustador, assim como entender um vocabulário novo e desafiador, e mensurar decisões sobre seu percurso de tratamento que podem mudar sua vida.

É natural que a primeira reação diante de um diagnóstico seja de choque. Pode levar algum tempo para aceitar a notícia.

O diagnóstico dado pelo médico geralmente se baseia em exame de imagem realizado de urgência, a Tomografia Computadorizada (TC), mas o melhor método de imagem, que fornece informações importantes para a equipe medica, é a Ressonância Magnética (RM).

Alguns pacientes recém-diagnosticados não sentem que conseguem absorver mais informação, enquanto outros anseiam por mais informações imediatamente. Depois de ter algum tempo para processar, é importante se educar sobre seu tumor cerebral e opções de tratamento.

O tratamento dos tumores gliais exige uma abordagem multidisciplinar, ou seja, envolve vários especialistas como neuro-radiologista, neurocirurgião, patologista, oncologista, radio-oncologista, bem como profissionais de áreas de saúde não-médicas que podem ajudar na recuperação do paciente como fisioterapeutas, fonoaudiólogas e terapeutas ocupacionais.

É compreensível que, depois do seu diagnóstico, você pode ter saído do consultório ou hospital não sabendo quais questionamentos fazer. Segue uma lista para ajudá-lo a tirar o melhor proveito da próxima consulta:

1. Entender o seu diagnóstico e aprender sobre suas opções antes de tomar qualquer decisão de tratamento

Aprender mais a respeito do tipo e grau de seu tumor.

Os tumores gliais são geneticamente causados, mas raramente hereditários, ou seja, as células do cérebro sofrem mutações e se inicia o processo de crescimento do tumor.

Em menos de 5 % dos casos existe associação com síndromes genéticas familiares, cujos parentes podem desenvolver tal tumor.

Quando há mais de um caso de glioma na família é recomendável a consulta a um médico geneticista para pesquisa e aconselhamento genético.

Não está provado, até o momento, a associação do surgimento destes tumores com cigarro, alimentos específicos, bebidas alcoólicas ou uso contínuo de celular ou dispositivos eletrônicos.

Um único tumor pode conter células com inúmeros graus. O mais alto grau ou grau mais cancerígeno das células determina o grau do tumor, mesmo que a maioria das células seja de grau inferior. Alguns tumores sofrem mudanças, ou seja, um tumor de baixo grau pode voltar como um tumor de grau mais alto.

Além disso, os tumores são avaliados também do ponto de vista genético e molecular, com subtipos distintos de resposta ao tratamento. Seu médico pode lhe dizer se seu tumor pode ter tal potencial.

Tratamentos de tumores cerebrais não são iguais. Eles dependem do tipo e grau do tumor cerebral, seu tamanho, formato e localização no cérebro, assim como outros fatores como sua saúde geral e idade.

Muitas vezes o tratamento inclui cirurgia, se possível feita da forma mais radical e com segurança possível, seguido de algum tipo de terapia de radiação e/ou quimioterapia.

Durante a cirurgia é importante coletar tecido (biópsia) suficiente para o patologista poder dar o nome (tipo histológico) e sobrenome (alterações moleculares e genéticas) do tumor.  Este sobrenome é chamado de biomarcador. Estas informações podem ajudar a equipe multidisciplinar a entender e tratar seu tumor.

Medicina personalizada, por exemplo, utiliza a informação genética do paciente para determinar o melhor percurso de tratamento. O montante de tecido cerebral que foi coletado da cirurgia pode ser testado (teste molecular) para determinar a constituição genética e os biomarcadores do tumor. O biomarcador é uma característica que é mensurada e avaliada como um indicador dos processos biológicos e patogênicos.

Biomarcadores podem ajudar a prever a resposta e sensibilidade das células do tumor a determinados tratamentos. Pesquisas vêm mostrando que médicos podem utilizar a informação dos biomarcadores para orientar um tratamento individualizado para o paciente.

Em 2016 a Organização Mundial da Saúde (OMS) reclassificou os tumores do Sistema Nervoso Central (SNC). Historicamente, tumores eram diagnosticados pela sua aparência diante de um microscópio (histologia). As atualizações, informadas por líderes da neuro-oncologia e neuro-patologia, recomendam um olhar mais segmentado para a classificação dos tumores usando ambos, a histologia e os biomarcadores tumorais.

2. Sintomas comuns

Um paciente com tumor cerebral pode apresentar sintomas variados, dependendo do tamanho, localização no cérebro e edema associado.

Os sinais e sintomas mais comuns são dor de cabeça, crise convulsiva (que pode ser generalizada com perda da consciência ou localizada com ausência, tremor ou enrijecimento temporário de algum braço ou perna ou boca) e alterações de comportamento.

Lesões próximas a áreas eloquentes (importantes funcionalmente) podem causar fraqueza de um lado do corpo, alteração de linguagem e fala, alteração na visão.

Os sintomas tendem a melhorar com o uso de medicações contra o edema ou específicos como anticonvulsivantes, bem como com o tratamento da doença.

3. Medicações comuns

Como foi dito, estes tumores podem causar uma série de sintomas.

Uma das medicações comumente usadas são os corticóides. Esta medicação visa melhorar o edema causado pela lesão e, consequentemente, melhora os sintomas apresentados. Devem ser usados em associação com protetor gástrico e devem ser retirados gradualmente assim que possível, pois estão associados a aumento da glicemia, ganho peso, fadiga, fraqueza muscular, entre outros.

Anticonvulsivantes visam prevenir ou controlar as crises convulsivas. Várias opções podem ser usadas como fenitoína, levetiracetam, carbamazepina, ácido valpróico, etc. A melhor opção fica a critério do médico assistente.

Lembramos que toda crise convulsiva deve ser tratada, mas a prevenção tem sido evitada nos dias atuais, devido a alguns efeitos colaterais da medicação e interação com o tratamento proposto para a doença, ficando tal decisão a critério do médico assistente.

4. Tratamento da doença

Cirurgia

O tratamento da doença depende, como já foi dito, do nome e sobrenome do tumor (tipo histológico e biomarcadores). Claramente, tanto gliomas de baixo como de alto grau se beneficiam de uma cirurgia radical e segura.

Nos dias atuais o neurocirurgião especializado dispõe de várias ferramentas que o ajudam a realizar uma cirurgia mais agressiva e segura possível. Podemos destacar o neuronavegador, o aspirador ultrassônico, a microcirurgia, a monitorização intra-operatória, a cirurgia com o paciente acordado, etc.

Lembramos que a ferramenta ideal é aquela que o cirurgião tem maior familiaridade e treinamento adequado. Todo cirurgião tem a idéia de manter ou melhorar a qualidade de vida do paciente. O controle de quanto tumor foi removido deve ser feito por exame de Ressonância Magnética.

Uma vez estabelecido o diagnóstico, o paciente deverá ser analisado pelo especialista e pela equipe multidisciplinar que decidirá, dependendo do tipo de tumor, idade do paciente e presença de doença residual, se receberá ou não tratamento complementar, e qual tratamento preconizado.

Os tumores de grau menor geralmente são classificados em baixo risco ou alto risco. Os de baixo risco podem ser apenas seguidos clinicamente e por métodos de imagem. Os de alto risco devem receber tratamento complementar que podem envolver radioterapia com ou sem quimioterapia associada.

Os tumores de alto grau sempre devem ser tratados com radioterapia concomitante à quimioterapia, seguido de quimioterapia mensal.

Radioterapia

A radioterapia também evoluiu muito nos últimos anos. Geralmente se faz de forma mais precisa, com fracionamento adequado.

Após a realização de uma mascara, é feito um planejamento adequado pelo radio-oncologista da área a ser tratada. O paciente deve comparecer diariamente para essas sessões de radioterapia fracionadas, geralmente com duração de 20 minutos por dia podendo ser divididas entre 5 a 40 sessões.

Poucos sintomas estão associados ao tratamento, como irritação da pele, queda temporária de cabelo na região tratada, zumbido e fadiga.

A realização de exercício leves a moderados antes do tratamento parece otimizar seus efeitos. Tardiamente, poucos pacientes podem apresentar déficits cognitivos ou de memória.

Quimioterapia

A quimioterapia hoje também é segura, podendo ser realizado o PCV (combinação de quimioterápicos), nos casos de tumores de baixo grau, e a Temozolomida, para tumores de baixo e alto grau.

O médico oncologista deve seguir o paciente, periodicamente, para tratar os sintomas associados à terapêutica, como fadiga, náuseas, queda no número de leucócitos e plaquetas no sangue.

O tempo de tratamento varia de 6 meses até alguns anos, dependendo de cada caso.

5. Acompanhamento da doença

Costumamos dizer que o paciente sempre tem opções de tratamento, mas essa doença deve ser sempre seguida, pois pode voltar.

Consultas clínicas com oncologista e neurocirurgião especializado devem ser periódicas.

A Ressonância Magnética de controle deve ser feita a cada 3 meses nos casos de gliomas de alto grau e cada 4 a 6 meses nos casos de gliomas de baixo grau.

Lembramos que alterações na ressonância são comuns, mas também podem ser decorrentes da doença ou do tratamento, com alterações chamadas de pseudoprogressão ou radionecrose. A interpretação deste exame pelo especialista é sempre fundamental.

O acompanhamento criterioso muitas vezes evita situações de difícil controle do câncer, bem como dos sintomas.

6. Participação familiar

Assim como com todos os outros cânceres, os gliomas causam impacto significativo na vida dos pacientes e seus familiares.

Os sintomas neurológicos também assustam, mas lembramos que podem ser controlados.

A maioria dos pacientes são adultos, em idade produtiva, muitos provedores financeiros da família e agora lidam com um problema grave, com tratamento continuo.

É muito comum sintomas depressivos e mudanças de comportamento, devendo estes serem tratados com psicoterapia ou medicamentos específicos.

A família sofre junto, desde o diagnostico, tratamento, reabilitação e em todas as fases da doença. É essencial ter uma família ciente da gravidade da doença, totalmente esclarecida sobre a mesma e sobre seu tratamento, e criando o melhor ambiente possível para o paciente.

Lembramos que esta doença é de causa genética não hereditária, não devendo existir nenhuma sensação de culpa. Pacientes que têm família participativa, otimista e amorosa, que cria um ambiente favorável para o tratamento e a reabilitação, têm chance maior de apresentar melhor evolução no controle da doença.

6. Recorrência do tumor e novas terapias

Como já foi dito, o acompanhamento criterioso é fundamental.

Infelizmente, dependendo do tipo do tumor e seus biomarcadores, este tumor pode recorrer precocemente, com ressurgimento dos sintomas já apresentados no inicio do quadro ou novas manifestações clínicas.

Lembramos que existe sim tratamento na maioria das recidivas tumorais. A discussão multidisciplinar entre os especialistas de cada área é essencial para definir qual a melhor estratégia neste momento, como nova cirurgia, re-irradiação, retorno da quimioterapia, associação de novos quimioterápicos como bevacizumabe, lomustine, irinotecano, etc.

Em alguns países europeus e na America do Norte já existe uma nova modalidade terapêutica, que é o estimulador elétrico transcraniano (NOVO TTF). Está em fase de validação quanto à real melhora na sobrevida e qualidade de vida dos pacientes que o usam após a radioterapia e em associação com a quimioterapia, mas resultados preliminares mostraram resultados interessantes.

Consiste em um aparelho cujo paciente carrega em uma mochila, ligado a eletrodos posicionados adequadamente no couro cabeludo, que transmite ondas elétricas intermitentes por, pelo menos, 18 horas por dia.

Tal mecanismo causa mudança no ciclo celular das células tumorais, lentificando a duplicação da mesma.  Costuma ser bem tolerado, apesar da necessidade do paciente ter seu cabelo raspado durante todo o tratamento, estando relatados apenas pequenas reações dérmicas irritativas em alguns casos.

Assim como em outros cânceres, a imunoterapia também parece uma alternativa futura significativa no tratamento destes tumores. Estudos preliminares mostraram beneficio no uso de algumas terapias alvo (medicações que agem em algum biomarcador de resposta imune que pode estar presente nos gliomas), bem como vacinas produzidas e inoculadas no paciente.

O mecanismo imunológico que envolve os gliomas é muito complexo, mas várias pesquisas têm sido feitas, visando entender melhor quais biomarcadores são fundamentais no controle imunológico, quais medicações podem ser utilizadas e para qual subgrupo de paciente será mais benéfica.

Sem dúvida, nos próximos anos teremos novidades nesta área no tratamento dos gliomas.

Inúmeros relatos na internet mostram eventual benefícios de produtos, alimentos, medicações, mas todos sem comprovação cientifica até o momento.

É fundamental um diálogo transparente com seu médico, bem como o esclarecimento de dúvidas.

A comunicação, conhecimento e carinho são fundamentais no tratamento desta doença.

5 comentários em “Tenho um tumor cerebral. E agora? O que fazer?”

  1. Muito esclarecedor o artigo. Parabéns.
    Tenho uma irmã de 46 anos e está fazendo tratamento para meduloblastoma.
    Muito obrigada!

  2. Olá,
    Um dos sintomas dos tumores cerebrais pode ser a dor de cabeça (cefaléia).
    Quando a dor de cabeça é causada pelo tumor cerebral ela tende a melhorar após a cirurgia de ressecção tumoral.
    Entretanto, pessoas operadas de tumor cerebral também podem apresentar outros tipos de dor de cabeça, como a enxaqueca por exemplo.
    É muito importante que você se consulte com um neurocirurgião, preferencialmente o que te operou, para que ele possa lhe examinar, solicitar os exames necessários e indicar o melhor tratamento.
    Desejo-lhe melhoras.

  3. Olá Srª Daira,

    Os tumores de baixo grau apresentam crescimento lento, portanto, em geral, alguns dias de espera não devem ser prejudiciais.

    Mas tudo depende do tamanho e da localização do tumor, além de como sua filha está.

    Além da consulta com o neurologista, ela precisará de uma avaliação com um neurocirurgião para definir se precisará de cirurgia, biópsia, ou se será realizado apenas acompanhamento, portanto, se possível, já tente agendar consulta com um neurocirurgião.

    Desejo melhoras para sua filha.

  4. Boa noite meu nome é Daira tenho uma filha de 10 anos que tem NF1 ela fez uma ressonância no dia 1 e deu glioma de baixo grau, no sei oque fazer porque o neurologista só vai olhar esse exame dia 20 de novembro ela faz tratamento lá no HC de sp mas não sei se devo procurar um médico logo ou espero o dia da consulta com o neurologista me ajuda por favor não sei oque fazer.

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