Tratamento de pacientes com tumores no cérebro e na coluna durante a crise do Coronavírus. Qual a prioridade?

A pandemia de coronavírus (COVID-19) acometeu rapidamente diversos países no mundo e esta velocidade de propagação combinada com a morbidade e mortalidade mais elevadas das infecções sintomáticas quando comparadas à influenza tem resultado na sobrecarga dos sistemas hospitalares na China, Itália e Estados Unidos, para citar apenas alguns. Como resultado os cuidados médicos eletivos têm sido necessariamente postergados devido à demanda da atual crise de saúde pública.

Diante desta situação sem precedentes, é urgentemente necessária uma estruturação racional para decidir sobre a priorização de pacientes neste contexto de recursos restritos.

As diretrizes dos Centros de Medicare e Medicaid listam as neurocirurgias e a maioria dos cânceres como casos de nível 3a e, como tal, recomendam que estes casos não sejam adiados, se possível.

Os casos neuro-oncológicos são únicos, pois os tumores no cérebro ou na coluna vertebral podem não ser urgentes agora, mas se tornarão urgentes no decorrer do tempo.

Para tumores malignos do sistema nervoso central (SNC) essa urgência provavelmente ocorrerá em um futuro próximo, quando a pandemia de Coronavírus ainda estiver em andamento.

Aqui é apresentada uma estruturação para auxiliar na determinação de prioridades de casos em pacientes com doença neuro-oncológica. Esta foi dividida entre Recursos limitados (alguns recursos hospitalar disponíveis para doenças não-COVID) e Configurações sem recursos (todos os recursos hospitalares direcionados a pacientes com COVID).

Recursos limitados

Acesso ambulatorial (consultórios)

Nos centros afetados pela pandemia o acesso ambulaorial foi significativamente reduzido. Na media do possível pacientes e provedores de saúde devem manter contato através de telemedicina.

Dada a importância da imagem (Ressonância magnética e Tomografia computadorizada) em pacientes neuro-oncológicos para diagnóstico e acompanhamento, é fundamental que as clínicas de radiologia permaneçam acessíveis para pacientes e médicos.

Acesso ao hospital

Para procedimentos devem estar presentes na sala cirúrgica o mínimo de profissionais necessários, para reduzir a exposição de pessoal e o consumo de equipamentos de proteção individual (EPI’s).

Pacientes com resultado positivo para COVID-19, mesmo que assintomáticos, devem ter seus procedimentos adiados até que não haja riscos da infecção para os profissionais de saúde e para os outros pacientes hospitalizados.

Os procedimentos para pacientes positivos para COVID-19 devem ser realizados apenas para emergências verdadeiras.

No cuidado pós-operatório a pacientes submetidos craniotomias não-complicadas deve ser considerado não encaminhar os pacientes à Unidade de Terapia Intensiva (UTI), para disponibilizar estes leitos para melhor aproveitamento durante a pandemia.

Todos os esforços devem ser feitos para que os pacientes retornem para suas casas mais brevemente possível, ao invés de permanecerem internados, devido ao provável aumento do risco de COVID no ambiente hospitalar.

Considerações patologia-específicas

A neuro-oncologia representa um campo com uma ampla gama de patologias, variando de lesões relativas,ente benignas a doenças malignas.

Embora seja tentador focar nas doenças malignas, onde o retardo no cuidado pode encurtar a sobrevida, doenças neuro-oncológicas também podem ocasionar déficits neurológicos irreversíveis se não forem tratadas rapidamente, mesmo com tumores benignos.

A seguir são descritas algumas condições em que o acesso oportuno aos cuidados parece ser apropriado, mesmo no cenário desafiador que atualmente enfrentamos.

Gliomas de alto grau (Glioblastomas, por exemplo)

Para pacientes com gliomas de alto grau recentemente diagnosticados ou recorrentes (recidivados), cirurgia urgente deve ser realizada com 1-2 semanas de diagnóstico, seguida de quimioterapia e radioterapia adjuvantes, de acordo com os padrões estabelecidos.

Nos casos em que radioterapia fracionada puder ser utilizada para reduzir a exposição do paciente no hospital, isso deve ser considerado.

Gliomas de baixo grau

Lesões cerebrais com imagem (Ressonância magnética) sugestiva de glioma de baixo grau devem ser observadas atentamente até que os recursos clínicos estejam mais disponíveis.

Embora se entenda que muitas destas lesões podem se comportar de forma mais agressiva com base no fenótipo molecular, na atual situação de pandemia o monitoramento ambulatorial (em consultório) estratificará os pacientes que necessitam de intervenção mais urgente com base nas alterações de imagem relevantes versus aqueles cujo tratamento pode ser adiado até que a situação fique melhor.

Metástases cerebrais

Para pacientes com metástases cerebrais a cirurgia deve ser indicada para aqueles com lesões grandes que causam sintomas relacionados ao efeito de massa e ao edema cerebral e com sobrevida esperada de mais de 3 meses.

Para pacientes na “zona cinzenta” que podem ser tratados com cirurgia e radiocirurgia versus radiocirurgia apenas, é incentivado que se opte pela radiocirurgia apenas, até que o acesso hospitalar melhore, reconhecendo que em um subgrupo de pacientes pode ser necessária terapia de resgate.

Para pacientes que não necessitam de cirurgia a radioterapia sob a forma de radiocirurgia ou radioterapia de cérebro total deve ser oferecida de acordo com os protocolos de tratamento.

Para pacientes onde terapias alvo ou imunológicas estão disponíveis como estratégia primária ou neoadjuvante, estas devem ser consideradas. Em alguns casos os agentes sistêmicos podem ser eficazes e exigir menos recursos que a cirurgia ou a radioterapia.

Metástases espinhais (coluna vertebral e medula espinhal)

Para pacientes com metástases espinhais deve ser oferecido radioterapia convencional ops radiocirurgia, quando apropriado, para prevenir o crescimento local e os sintomas neurológicos.

Para pacientes com deformidade progressiva, déficits neurológicos e doença espinhal epidural significativa a cirurgia ou a radioterapia de emergência/urgência (ex.: linfoma) deve ser indicada quando apropriada.

Para paciente em que as terapias alvo ou imunológica estão disponíveis como estratégia primária ou neoadjuvante, isso deve ser considerado.

Outras lesões

Embora seja impraticável descrever a conduta adequada para todas as lesões encontradas na prática neuro-oncológica, discutimos acima as lesões mais comumente encontradas, especialmente complexas, dada a natureza multi-disciplinar.

Em geral, pacientes com sintomas neurológicos progressivos decorrentes de tumores cerebrais e da coluna vertebral devem ser conduzidos rapidamente para evitar déficits neurológicos irreversíveis, mesmo se o tumor for considerado uma doença benigna.

Por exemplo, tumores da hipófise ou lesões da base do crânio ocasionando rápida piora visual devem receber tratamento (a maioria dos casos de perda visual crônica podem e, provavelmente, precisarão ser adiados).

Da mesma forma, neurinomas do acústico, meningiomas, etc, com hidrocefalia ou sintomas de compressão do tronco cerebral deverão ser tratados rapidamente. Tumores associados com sintomas lentos, porém progressivos devem ser avaliados caso a caso.

Finalmente, como mencionado previamente, radioterapia ou terapias sistêmicas (quimioterapia, por exemplo), devem ser consideradas como uma alternativa à cirurgia, se possível, durante esta crise.

Os desafios para os neurocirurgiões na seleção apropriada de casos para tratamento neste contexto da pandemia são substanciais. As orientações acima podem auxiliar os médicos na prática de neuro-oncologia, pois eles decidem em quais pacientes concentrar os recursos limitados de assistência médica.

É nosso dever na comunidade neuro-oncológica defender nossos pacientes com força, mas com responsabilidade, como bons cidadãos na força de trabalho em saúde.

O texto acima foi baseado no artigo científico publicado este mês (abr/20) no periódico Journal of Neuro-Oncology, com o título “Inpatient and outpatient case prioritization for patients
with neuro‐oncologic disease amid the COVID‐19 pandemic: general guidance for neuro‐oncology practitioners from the AANS/CNS Tumor Section and Society for Neuro‐Oncology
“. Caso queira acessar o artigo na íntegra (em inglês), clique aqui.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.