Este artigo é baseado no estudo publicado no jornal Neurosurgical Focus. O objetivo é fazer uma análise da indicação ou não de radioterapia após a ressecção de meningiomas atípicos intracranianos.
Meningiomas atípicos: radioterapia pós-operatória está indicada?
Introdução
Meningiomas são os tumores primários do cérebro mais comuns e representam 20% de todos os tumores intracranianos.
São tumores benignos em sua grande maioria, porém 5% a 23% são classificados como atípicos (grau II) e estão associados a taxas mais elevadas de recorrência.
Independentemente da graduação do tumor, ressecção cirúrgica é uma das opções de tratamento primário para todos os meningiomas.
A baixa taxa de recorrência de meningiomas grau I (“benignos”) após ressecção macroscópica total (RMT) afasta a necessidade de radioterapia pós-operatória (RPO). Após ressecção macroscópica subtotal (RMS) alguns autores recomendam iradiação pós-operatória mesmo em meingiomas grau I, enquanto outros advogam apenas acompanhamento clínico e radiológico.
As taxas mais altas de recorrência para meningiomas anaplásicos grau III levam a maioria dos médicos a recomendarem radioterapia após ressecção, seja RMT ou RMS.
O papel da radioterapia pós-operatória permenece controverso para meningiomas atípicos grau II.
Em uma pesquisa entre os neurocirurgiões no Reuno Unido e República da Irlanda sobre o tratamento dos meningiomas atípicos, Marcus et al. encontraram que 80% dos que responderam não indicam radioterapia após RMT e 41% não indicam radioterapia mesmo após RMS. Em uma amostra de 56 centros na Alemanha, uma minoria (16%) das instituições rotineiramente utilizavam radioterapia após RMT de meningiomas atípicos.
Métodos
Este é um estudo cohort retrospectivo.
Dos 779 pacientes operados por meningiomas no Centro Médico de Cincinnati entre 1999 e 2009, 90 apresentaram resultado histopatológico de meningioma atípico grau II e ao menos 1 ano de seguimento.
Extensão da ressecção foi avaliada pela impressão do cirurgião no intra-operatório e pela primeira ressonância magnética de crânio realizada no pós-operatório.
Todos os pacientes que receberam RPO foram submetidos a radioterapia fracionada por acelerador linear (dose média de 59.4Gy) no leito tumoral.
Ressecções tumorais Simpson grau I a III foram consideradas ressecções macroscópicas totais (RMT), enquanto ressecções Simpson IV foram consideradas ressecções macroscópicas subtotais (RMS).
Resultados
Dos 90 pacientes incluídos no estudo 34 eram homens e 56 mulheres, com média de idade de 56.9 anos, variando de 22 a 83 anos de idade.
A localização mais comum do tumor foi a convexidade (47,8%) seguido pela foice/parassagitral (21,1%). Média do seguimento dos pacientes foi de 48,7 meses (variando de 12 a 108 meses).
Mais da metade dos pacientes (52%) foi seguida até a recorrência ou ao menos 4 anos após a ressecção.
A sobrevida para nossos 90 pacientes após ressecção foi 96% em 5 anos. 17 (19%) destes pacientes teve recorrência tumoral em média dentro de 31 meses. A taxa de sobrevida livre de recorrência foi 96,7% em 1 ano, 91,3% em 2 anos e 81,1% em 5 anos.
Das 71 (79%) ressecções macroscópicas totais (Simpson I, II ou III), 17 pacientes (24%) receberam radioterapia adjuvante pós-operatória. Recorrência ocorreu em 2 destes 17 pacientes (12%) e em 9 pacientes (17%) sem RPO.
Dos 19 pacientes submetidos a ressecção macroscópica subtotal (Simpson IV), 14 (74%) receberam RPO. Destes 14 pacientes apenas 1 (7%) desenvolveu recorrência em 22 meses. Recorrência ocorreu em 5 pacientes sem RPO (91% vs 20% de sobrevida livre de recorrência em 5 anos, respectivamente). Esta diferença foi estatisticamente significante (p = 0.016).
Os fatores associados com recorrência tumoral são o índice mitótico, Sheeting, necrose, radioterapia, RMS e idade > 55 anos.
Discussão
Neste estudo a RPO efetivamente reduziu as taxas de recorrência após tratamento cirúrgico de meningiomas atípicos grau II com ressecção macrosópica subtotal, porém não após ressecção macroscópica total.
Em análise multivariada de 14 fatores que poderiam afetar a recorrência tumoral, 5 fatores demostraram ser independentemente preditivos: índice mitótico, sheetiing (perda da arquitetura lobular), necrose, radioterapia e RMS. Pacientes com idade > 55 anos com mitoses e com sheeting apresentaram maior risco de recorrência.
Ressecção cirúrgica sempre foi e continua sendo uma dos mais importantes modalidades de tratamento para meningiomas, seja grau I, II ou III. A análise multivariada demonstrou que a extensão da ressecção foi particularmente importante, o que corrobora outros estudos que indicam a extensão da ressecção cirúrgica como um forte fator prognóstico para recorrência tumoral em todos os graus de meningiomas.
Nesta série, RPO foi administrada em 31 pacientes após cirurgia inicial, o que representou uma grande proporção da população do estudo, possibilitando que fosse alcançada significância estatística.
A radioterapia pós-operatória reduziu significantemente o risco de recorrência entre pacientes submetidos a RMS, porém não existiu efeito estatístico após RMT. Portanto, os autores indicam, ao invés de radioterapia de rotina para RMT de meningiomas atípicos, observação próxima como uma potencial opção terapêutica. Isto também reserva o potencial para outras modalidades terapêuticas como radiocirurgia estereotáxica, se e quando houver uma recorrência.
Os autores encontraram recorrência em 45% dos pacientes acima de 55 anos de idade com qualquer evidência de atividade mitótica. Portanto, eles sugerem RPO, independentemente da extensão da ressecção, neste subgrupo de pacientes.
Devido às limitações do estudo retrospectivo, os autores reforçam a importância de um estudo randomizado, prospectivo, para maior comprovação desta conduta sugerida por eles. Até existir um guideline baseado em artigos randomizados e prospectivos, eles sugerem que radioterapia pode ser postergada até o momento de recorrência para pacientes submetidos a RMT de um meningioma atípico e que não preenchem critérios de alto risco (idade > 55 anos e qualquer atividade mitótica).
Conclusões
Os resultados deste estudo mostram que meningiomas atípicos têm uma alta taxa de recorrência após ressecção macroscópica subtotal e que radioterapia é benéfica em termos de redução do risco de recorrência. Entretanto, após ressecção macroscópica total o papel da radiação é incerto. Um subgrupo de pacientes em maior risco de recorrência foi identificado (idade > 55 anos e evidência de atividade mitótica) e, para estes pacientes, radioterapia pós-operatória é recomendada para ambos, RMS ou RMT. Para todos os outros pacientes, é recomendada observação próxima após RMT com ressonâncias magnéticas seriadas, seguida por reoperação e/ou radioterapia fracionada ou radiocirurgia estereotáxica no caso de recorrência.
Artigo original na íntegra: http://thejns.org/doi/pdf/10.3171/2013.9.FOCUS13325